Protesto no Brasil dá lugar a um movimento indignado
O movimento contra o aumento da tarifa do transporte público viveu na segunda-feira sua jornada de maior êxito em São Paulo, com dezenas de milhares de manifestantes. E não só lá, mas em outras oito cidades onde também marcharam milhares de pessoas. Em Brasília, centenas de manifestantes ocuparam durante meia hora o telhado do Congresso, desenhado pelo falecido Oscar Niemeyer.
Os slogans em São Paulo eram dos mais variados, mas tinham um elemento comum, claro e preciso: o rechaço ao aumento da passagem de ônibus. E uma declaração de intenções: nada de violência.
Nos cartazes que se viam nas mãos dos 65 mil manifestantes, segundo cálculo do jornal "Folha de S.Paulo", havia de tudo. Desde o clássico "Faça amor e não a guerra" até "Liberdade para Assange" escrito em inglês; "Não venha para a Copa", também em inglês; "Desculpem o incômodo, estamos mudando o país"; "Não são os centavos, são os direitos"; "Se algum centavo fosse para a educação, eu não estaria aqui";
"Por uma vida sem catracas"; "Transporte não é mercadoria". Entre os slogans, ouviu-se "O povo unido não precisa de partidos", mas o mais repetido, acompanhado por dezenas de tambores em um ambiente plenamente festivo, foi o que convidava a sair à rua contra o aumento das tarifas do transporte.
O protesto contra o aumento de 20 centavos em São Paulo havia levado às ruas dezenas de milhares de pessoas nos dias anteriores. Dez dias, mais de cem feridos e 230 detidos depois da primeira marcha, dezenas de milhares de pessoas se somaram às convocações do Movimento Passe Livre, que reivindica o acesso gratuito ao transporte público. Mas agora as razões do protesto são mais vagas e ambiciosas.
Por quê?
Quando se pede a um entrevistado para escolher um só motivo dentre todos os que o levaram à rua, a resposta quase nunca surge imediatamente. Mas acaba chegando.
"Eu me manifesto pelos direitos humanos dos indígenas, dos homossexuais, das minorias", explica a ativista Rebeca Lerer, 36. "O aumento da tarifa é só a gota que transbordou o copo", acrescenta. "Fora do Brasil se diz que tudo está tudo bem, tudo lindo, mas a questão fundamental é que não estamos solucionando os problemas históricos de desigualdade."
Lerer acredita que a administração do transporte na cidade mais populosa do país, com 11 milhões de habitantes, fomenta essa "desigualdade histórica". A maior parte dos recursos se destina à indústria do automóvel, e deixam de lado o transporte público. O tráfego é um caos, muita gente demora três ou quatro horas para chegar ao trabalho. E entre a meia-noite e as 5 da manhã não há transporte. Na periferia existem ilhas de pessoas que nunca vieram ao centro, porque para elas trasladar-se é um luxo. A ida e volta de casa para o trabalho custa R$ 6 por dia. Isso é muito dinheiro para muitos. Com essas condições, como se pode permitir um aumento?"
"Os 20 centavos daqui são o parque de Istambul", explica um grafiteiro de São Paulo que prefere não revelar seu nome, referindo-se aos protestos que se desencadearam na Turquia devido à construção de um shopping center sobre um parque adjacente à Praça Taksim. "Eu estava há vários anos pintando grafites contra os aumentos", acrescenta. "Há cerca de três anos, quando subiram o preço para R$ 3, eu já disse que era um roubo. Também pintei há quatro anos contra a forma como se estava administrando a Copa do Mundo. Está sendo feito por baixo da mesa, sem transparência. E escrevi em um grande muro onde dizia que se fosse disputada a Copa da Corrupção o Brasil já teria ganhado. Também pintei muitas vezes a frase 'Vamos para as ruas', porque o Facebook não basta. E de repente as pessoas responderam. Há cartazes que diziam 'Saímos do Facebook'."
Por que agora? "Por dois fatores: Istambul e a chegada da Copa em 2014", continua o grafiteiro. "O movimento em Istambul começou porque o governo pretendia destruir uma praça para construir moradias. E nós temos aqui muito mais terra verde arrasada na Amazônia que em toda a Turquia. Assim, a gente vê as pessoas em Istambul protestando e se pergunta o que fazemos parados. E por outro lado há a Copa de 2014.
Sabemos que todo mundo olha para nós e que somos o país do futebol. Mas não queremos ser conhecidos só pelo futebol."
Seu amigo e companheiro militante na tarefa de divulgar o protesto nas redes sociais, o fotógrafo Rafael Vilela, responde: "Eu me manifesto porque creio que outro mundo é possível. E quem sabe se dentro de alguns anos as pessoas lembrarão que tudo começou por causa de 20 centavos".
"Eu me manifesto para pedir respeito", acrescenta o economista Caio Tendolini, 28. "Há falta de respeito da comunidade religiosa pelos gays. E também de certas organizações gays que afirmam que todos os evangélicos são racistas e homofóbicos. Há falta de respeito para com as mulheres que querem abortar. E o Congresso pretende aprovar um projeto em que se proíbe o aborto inclusive em caso de violação. Não se respeitam os povos indígenas porque se pretende destruir seu hábitat na selva para construir a represa hidrelétrica de Belo Monte..."
Esta semana a revista brasileira "Veja" se perguntava de forma irônica em sua capa: "Depois do preço das passagens, a vez da corrupção e da criminalidade?". "Isso é o que nos criticam os meios da direita", salienta Caio Tendolini. "Eles atacam o governo pela corrupção e a insegurança. E pretendem ridicularizar o protesto. Mas reclamar que não aumentem o preço do transporte é algo tangível, concreto. Acabar com a corrupção, não."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
FONTE:uol