Em Sertânia, 39 casas trincaram e não chegaram nem a ser habitadas.
Agricultores esperam receber terrenos para começar a plantar.
Quando soube que a água do Rio São Francisco chegaria ao Sítio Barreiro, em Sertânia, no Sertão de Pernambuco, a agricultora Imaculada Maria da Silva pensou com alívio na família e nos animais. Mas, em vez de água correndo, viu a moradia construída pelo marido ser abalada cada vez que um estrondo ecoava da obra da transposição e ganhar rachaduras. Imaculada é uma das sertanejas que já teve a vida modificada pela obra de transposição, como mostra a terceira reportagem do NETV 2ª Edição sobre a transposição.
Em muitos trechos do Sertão, como na cidade de Custódia, o solo é de pedra e, para abrir caminho para a água passar, os operários tiveram que usar explosivos. Isso gerou consequências que vão muito além da construção dos canais. A quantidade de pedras arrancadas do chão revela os efeitos das detonações. Elas são necessárias e continuam acontecendo, às vezes perto, às vezes longe das vilas.
Na Vila Junco, em Cabrobó, a agricultora Luíza Isabel dos Santos até se deu o direito de fazer um jardim. “A água aqui é imensa", ela diz |
Muitas pessoas tiveram que deixar suas casas porque os canais, barragens, estações de bombeamento de água da transposição seriam construídos justo onde moravam. A negociação do Ministério da Integração com os proprietários prevê a troca por moradias em vilas como o Núcleo Habitacional Fazenda Salão, em Sertânia. Há 39 casas prontas – com cadeado no portão, teia de aranha e ninguém morando. As casas chegaram a ser sorteadas, mas antes mesmo de serem habitadas trincaram por causa das explosões. A empresa que assumiu o serviço depois que a anterior foi embora está recuperando a única vila produtiva rural de Sertânia para que os desabrigados pela obra voltem a ter o teto prometido pelo governo.
Os moradores da Vila Junco, em Cabrobó, já têm. Luíza Isabel dos Santos, agricultora, até se deu o direito de fazer um jardim. “A água aqui é imensa, eu tenho dó de quem não tem ela. Às vezes tem gente que tem e não sabe usar. Eu uso, mas eu sei usar”, ensina. Depois de uma vida inteira numa casa de taipa no sítio, ela completou setenta anos no lar de alvenaria. Fez um rebaixamento de gesso no teto, mas ainda cultiva o hábito de cozinhar a lenha, embora tenha fogão a gás. Só ficou triste quando as fendas começaram a aparecer. “Aquela lá rachou de lá até aqui que eles disse que ia ser difícil reformar”, disse.
O Ministério da Integração se responsabilizou pelo conserto na casa de dona Luíza e em várias outras da vila, que os moradores rebatizaram de Baixio dos Grandes, nome da comunidade de onde tiveram que sair – são 56 unidades, de 99 metros quadrados cada. Como o terreno é grande – tem meio hectare – muita gente já construiu ao lado para os parentes. O Ministério também está ampliando a quadra de esportes e construindo uma praça. Vandeilson Ribeirto, morador, até conseguiu uma vaga de trabalho. “Foi uma reviravolta, porque a gente morava em casas de taipa antigamente, a maioria das pessoas não tinha condição boa e hoje cada um tem sua casinha”, conta. Além disso, cara um recebe um salário mínimo e meio – R$ 939 – a título de manutenção, até receber o lote produtivo prometido.
Cada família deve receber um lote de cinco hectares, sendo um já irrigado, 1,5 pronto para ser irrigado pelo produtor e 2,5 de área seca. Não há previsão para entrega desse lotes. A primeira vila construída está habitada desde maio de 2010. O projeto da transposição prevê a construção de 17 para abrigar quase 800 famílias sertanejas. Somente cinco ficaram prontas, cinco estão em obras e as sete restantes ainda estão em processo de licitação.
A vila Baixio dos Grandes tem um posto de saúde que recebe uma enfermeira duas vezes por mês e um médico uma vez por mês. Na escola, estudam 42 crianças – muitas da redondeza. E há a sede da associação de moradores, onde todos participam de cursos de capacitação e qualificação oferecidos pelo ministério. Eles aprendem sobre educação ambiental, associativismo, produção de alimentos. Carla Grazieli foi capacitada para ser uma líder comunitária. Ela diz que não foi fácil para o pessoal que morava afastado na zona rural ter tantos vizinhos por perto, juntar o lixo e esperar o caminhão de coleta, assim como ter que se habituar com a vida sem área para plantar cebola e criar animais. “Está bastante ruim. A comunidade vivia da agricultura, trabalhava na roça. De imediato tá sendo ruim porque a gente tá sem os lotes produtivos, não tem onde trabalhar”, argumenta.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabrobó tem acompanhado de perto a questão da moradia e a do emprego. Os postos de trabalho sumiram à medida que as obras da transposição foram sendo paralisadas. Hoje, pelos dados do Ministério, há menos da metade da quantidade de trabalhadores que já esteve empregada. “Muitas pessoas têm ido procurar refúgio em Minas Gerais, trabalhando na Vale do Rio Doce. Outros estão fazendo a construção de obras no Recife. Vai o chefe de família, fica a esposa com filhos, recebendo recurso pra que possa tá fazendo a sobrevivência”, conta Marcos Antônio Cavalcante, presidente do Sindicato.
Em Floresta, os moradores do assentamento Serra Negra vivem a expectativa da demolição do posto de saúde. Técnicos do Ministério estiveram lá para negociar. “Ofereceram, no primeiro laudo R$ 18 mil e pouco e no outro foi R$ 22 e pouco. A comunidade não aceitou porque não dava. Queriam botar a responsabilidade da associação para construir e com esse dinheiro a gente não construía”, diz Carmélio de Souza Guerra, presidente da associação do assentamento. O posto, a 65 quilômetros do centro de Floresta, é o mais próximo para 400 famílias da zona rural. Tem médico, dentista e remédios.
As negociações foram suspensas, assim como a obra nos lotes que passam perto do assentamento. Resta, entre um buraco na terra e outro, um cenário esquisito onde antes havia expectativa de vida melhor. Os operários se empenharam para retirar toda a mata. Outros tantos cavaram o canal. A água escorreria entre paredes de concreto. Só que a obra parou e o serviço já feito vai precisar ser novamente executado. “O que a gente esperava quando ouvia falar da transposição era que ia ser uma coisa boa pra comunidade porque a gente tem os melhores solos da região, em Floresta, aqui no assentamento Serra Negra. A gente se sente frustrado porque é muito dinheiro público investido e as obras, abandonadas e paradas”, analisa Manuel Joaquim da Silva, agricultor e coordenador do Sindicato dos Agricultores Familiares de Floresta.
g1.com
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